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26 de Abril de 2024

Alienação Fiduciária

Inicialmente, é fundamental deixar claro que a Alienação Fiduciária em Garantia é uma espécie do gênero propriedade fiduciária, e não uma propriedade resolúvel como muitos supõem, confundindo a natureza do instituto, incluindo o próprio legislador, tanto nos artigos 1.361 quanto do artigo 22 da lei 9.514/97

Publicado por Bernardo César Coura
há 9 anos

A alienação fiduciária em garantia tem se mostrado um meio extremamente eficiente para o credor assegurar a recuperação do capital investido e não devolvido espontaneamente pelo devedor na data determinada, fruto da inoperabilidade dos demais meios de garantia notadamente a hipoteca e a anticrese no que toca a bens imóveis.

De gênese romana, o instituto é oriundo da antiga fidúcia cum amico, um contrato de confiança que possibilitava o acautelamento de bens no intuito de evitar riscos e proteger o devedor fiduciante de circunstâncias aleatórias, que poderiam ocasionar o perdimento de bens.

O credor fiduciário (amigo) ficava responsável pela restituição dos bens em caso de perda, por exemplo, em uma guerra, por parte do tido devedor. Não havia negócio jurídico subjacente, o objetivo era a proteção contra penas severas, impostas pelo império romano. Posteriormente, essa modalidade se transformou na fidúciacontraída cum creditore pignoris iure, uma garantia real, pela qual o credor de uma obrigação preexistente se tornava proprietário de uma coisa do devedor, obrigando-se aquele, pelo pactum fiduciae, a restituí-la a este, após o pagamento da dívida1.

Nesta oportunidade, nasce efetivamente o vínculo principal, o vínculo acessório e as figuras efetivas do credor e do devedor. A alienação fiduciária também está presente em países de common Law, correspondendo ao trust receipt, por meio do qual o devedor transfere fiduciariamente o domínio da coisa como garantia2.

Inicialmente, é fundamental deixar claro que a Alienação Fiduciária em Garantia é uma espécie do gênero propriedade fiduciária, e não uma propriedade resolúvel como muitos supõem, confundindo a natureza do instituto, incluindo o próprio legislador, tanto nos artigos 1.361 quanto do artigo 22 da lei 9.514/97.

Em ambos os diplomas legais, o legislador salienta que o devedor fiduciante, ao celebrar o negócio transfere ao credor fiduciário a propriedade resolúvel do bem móvel ou imóvel. Desde já, é bom salientar que a efetiva transferência só ocorrerá com o inadimplemento da obrigação, chamada de consolidação, não se confundindo, portanto, de forma nenhuma com a propriedade resolúvel.

No Brasil, a Alienação Fiduciária em Garantia, foi introduzida no ordenamento pela Lei de Mercado de Capitais, 4.728 de 10/7/1965, que, no entanto, referiu-se ao instituto como um domínio resolúvel, iniciando então a confusão onomástica e técnica. Em 1993, com a Lei dos Fundos de Investimento Imobiliário, n. 8.668, legislador pareceu compreender a inadequação do tratamento como propriedade resolúvel, optando por denominá-lo "propriedade fiduciária", conforme art. 7º da referida lei. Em 1997, pela lei de Financiamento Imobiliário 9.514, retoma-se o nomen juris "propriedade resolúvel", ao regular a alienação fiduciária de coisa imóvel, tendo, paradoxalmente, a mesma lei facultado a constituição de um regime fiduciário à operação de securitização de recebíveis imobiliários.

No Código Civil de 2002, o legislador retoma novamente a ideia da propriedade fiduciária, diferenciando-a da propriedade resolúvel. Entretanto, seus artigos referem-se apenas à alienação fiduciária em garantia de bem móvel tratada na Lei 4.728/1965 e no decreto lei 911/69, parcialmente revogado (derrogado) pelo códex civil. Por fim em 2004, na lei 10.931, ao tratar da afetação patrimonial, o legislador esbarra novamente na mesma problemática, sem, contudo, resolvê-la. Aliás, este último diploma modifica o decreto 911, o Código Civil e a lei 9.514/97, tendo esta última sido ainda reformulada pela lei 11.481/07.

Para esclarecer o assunto, cabe distinguir os conceitos de propriedade resolúvel e propriedade fiduciária. Parte da doutrina entende que em ambas as figuras tem-se a limitação aos plenos poderes de propriedade (absoluto, exclusivo, aderente, perpétuo e limitado). Na propriedade resolúvel alguns autores entendem que a referida limitação decorre da própria autonomia privada, enquanto na propriedade fiduciária, decorre de imposição legal3.

Ainda sob este raciocínio, a propriedade resolúvel ocorre quando existente no título formal que originou o direito de propriedade, uma condição resolutiva (eventos futuros e incertos) ou um termo (eventos futuros e certos), cujas ocorrências implicam a extinção do domínio sobre o bem. Desse modo, o proprietário resolúvel age como proprietário legítimo para todos os fins, seja para a prática de atos de administração, seja para a disposição sobre a coisa até o momento de implemento da condição ou do advento do termo. A partir daí, resolvem-se os direitos reais concedidos durante a pendência, de modo que o bem em questão deve retornar ao proprietário anterior (diferido), em favor do qual se operou a resolução. Por outro lado, caducada a condição, o proprietário resolúvel se torna o legítimo proprietário do objeto, em função do desaparecimento da restrição sobre a propriedade. Cabe ressaltar que o proprietário diferido, durante a pendência da condição ou do termo, não é proprietário do bem, possuindo apenas a expectativa de direito. Implementada a condição ou o termo, o art. 1.359 do Código Civil faculta ao proprietário diferido a reivindicação da coisa em poder de quem quer que essa esteja.

Importante destacar, que no caso da propriedade resolúvel, é a autonomia da vontade que opõe a limitação ao direito de propriedade, de modo, a subtrair-lhe parte de sua finalidade econômica, destinando-a a outro fim prático que não o estipulado em lei.

Por outro lado, a propriedade fiduciária, embora limitada, não é por vontade das partes, mas sim por determinação legal. Nesse caso, há a celebração de um negócio jurídico que atribui ao bem ou ao conjunto de bens uma determinada finalidade específica. Segundo a classificação de Orlando Gomes, essa finalidade pode ser de garantia, de administração, ou de inversão. No caso da finalidade de administração, o bem é transferido para ser administrado por um terceiro e não pelo seu beneficiário, muitas vezes desprovido de capacidade ou competência; já no caso da inversão, certa soma de dinheiro é concedida ao fiduciário a fim de que a aplique, obrigando-se a pagar a renda estipulada, bem como à devolução do capital transferido.

Para simplificar um pouco mais a questão, na propriedade resolúvel, independentemente de sua origem tem-se a transmissão dominial do antigo titular para o proprietário resolúvel, podendo o titular reivindicante trazer de volta a coisa, uma vez operada a resolubilidade (art. 1.359 CC). Numa ideia mais simples é isso que se verifica na retrovenda. O proprietário aliena um bem ao proprietário resolúvel e pode reivindicar o bem no prazo máximo prorrogável por três anos, restituindo e reembolsando tudo o que pagou (art. 505).

Tal fenômeno não acontece de forma alguma na alienação fiduciária, pois não é propriedade resolúvel, não porque a lei ou a vontade estejam envolvidas, não é propriedade resolúvel porque ao celebrar o negócio o credor fiduciário não se torna proprietário do bem resolúvel e nem o devedor fiduciante se torna titular reivindicante. Ao estabelecer o negócio, o bem deixa de ser de titularidade do devedor, mas também não ingressa no patrimônio do credor. O bem fica afetado, ou seja, sem titular certo. Ocorre como se o bem tivesse sido abandonado ou renunciado, fica num limbo jurídico, fora do comercio, por arbítrio de qualquer das partes. O credor fiduciário, na vigência do contrato não pode usar fruir ou dispor do bem, tem um mero crédito abstrato e insuscetível de ser resgatado na vigência do contrato. Já o devedor fiduciante pode usar e fruir, mas não pode dispor sem a anuência do credor (art. 28 da lei 9.514). Obviamente, o devedor fiduciante é muito mais titular da coisa que o credor fiduciário, tem a posse direta o uso e a fruição. Já o credor como já dito não tem nada, a não ser aguardar a mora e o inadimplemento para ai sim consolidar a propriedade em si.

A propriedade, portanto, permanece no limbo até a ocorrência do pagamento ou quitação, ocasião em que o antigo titular (devedor fiduciante) retoma a integralidade de poderes (art. 25, parágrafos 1º e 2º) ou opera-se a mora e o inadimplemento com efetiva consolidação de domínio pelo credor ocasião em que passa a estar obrigado a recolher o ITBI e eventual laudêmio (art. 22, parágrafo 1º combinado com o art. 26 da lei 9.514/97).

Tem-se como objeto do presente artigo a propriedade fiduciária de garantia, dada pela Alienação fiduciária em garantia, tendente a substituir institutos tradicionais como o penhor e a hipoteca, que deixam a desejar no contexto da expansão do mercado econômico financeiro da atualidade.

Antigamente no Brasil, a inexistência da Alienação Fiduciária em garantia dificultava a retomada do bem no mercado, como já mencionado acima, por isso é uma eficiente ferramenta a favor do sistema de recuperação do imóvel, além de auxiliar na recolocação mais rápida do mesmo no mercado4. Assim, no caso da lei 9.514 de 1997, o objetivo claro e inequívoco do legislador foi o de facilitar e tornar mais segura a concessão de financiamentos para a compra e venda de imóveis, mormente diante dos inúmeros obstáculos vinculados à hipoteca, principal instrumento até então para o nascimento da garantia5.

A hipoteca é de execução lenta, ao sabor da delonga dos processos judiciais6, ademais nem sempre possui o privilégio de sobrepujar os demais credores, mesmo os trabalhistas e os fiscais, como garante a alienação fiduciária em caso de falência do devedor. Na hipoteca também não ocorre a transferência da propriedade do bem hipotecado ao credor, sendo que o devedor poderá inclusive hipotecá-la novamente, não obstante conste na matrícula imobiliária o registro da garantia hipotecária anterior. Esta última situação é bastante discutível no que concerne a alienação fiduciária em garantia. Desse modo, o instituto milenar da hipoteca acaba por perder a sua força diante da agilidade e eficiência da alienação fiduciária no contexto imobiliário. A súmula 308 do STJ enterrou a alienação fiduciária ao determinar que "a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel". Com isso, as instituições financeiras perderam completamente o interesse na hipoteca e passaram a focar na alienação fiduciária. No caso dos outros institutos, o penhor dificulta as negociações mercantis ao exigir a tradição da coisa apenhada, enquanto a anticrese caiu em desuso, dada a complexidade das relações socioeconômicas modernas.

Fonte: Migalhas

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