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20 de Abril de 2024

Loteamento fechados e a obrigação de pagar taxa mensal

Os limites da ingerência do condomínio e das associações nos lotes de propriedade exclusiva em loteamentos fechados

Publicado por Bernardo César Coura
há 9 anos

O condomínio edilício se encontra regulado, no ordenamento pátrio, pela Lei 4.591/64, que o denomina condomínio em edificações. Deve-se frisar que, neste trabalho, consideramos o condomínio edilício um instituto jurídico autônomo, não nos parecendo haver razão, hoje, para se imiscuir na velha discussão de qual seria sua natureza jurídica (se verdadeiro condomínio, se pessoa jurídica, se servidão etc.). No Direito atual, condomínio edilício tem a natureza de – condomínio edilício.

Dispõem o arts. , e da Lei 4.591/64:

Art. 1º As edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não-residenciais, poderão ser alienados, no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá, cada unidade, propriedade autônoma sujeita às limitações desta Lei. (...)

Art. 2º Cada unidade com saída para a via pública, diretamente ou por processo de passagem comum, será sempre tratada como objeto de propriedade exclusiva, qualquer que seja o número de suas peças e sua destinação, inclusive (VETADO) edifício-garagem, com ressalva das restrições que se lhe imponham. (...)

Art. 3º O terreno em que se levantam a edificação ou o conjunto de edificações e suas instalações, bem como as fundações, paredes externas, o teto, as áreas internas de ventilação, e tudo o mais que sirva a qualquer dependência de uso comum dos proprietários ou titulares de direito à aquisição de unidades ou ocupantes, constituirão condomínio de todos, e serão insuscetíveis de divisão, ou de alienação destacada da respectiva unidade. Serão, também, insuscetíveis de utilização exclusiva por qualquer condômino.”

Desses preceitos se pode extrair o conceito legal dessa figura de condomínio: regime de copropriedade + propriedade, no qual coexistem, em imóveis, áreas de propriedade em comum e áreas de propriedade exclusiva.

Por sua própria noção, o loteamento fechado (legítimo) se enquadra no instituto do condomínio chamado deedilício, em edificações ou em unidades independentes. Nesse sentido também se posicionam Caio Mário[5], César Fiuza[6], Silvio Venosa[7], Silvio Rodrigues[8], Carlos Alberto Dabus Maluf e Márcio Antero Ramos Marques[9]. Ademais, o art. da Lei 4.591/64 menciona expressamente o condomínio cujas unidades autônomas são casas e o enunciado 89 da I Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal preceitua que o disposto nos arts. 1.331 a 1.358 do novo Código Civil é aplicável, naquilo que couber, aos condomínios em loteamentos fechados.

Todavia, considerando-se que o Código Civil de 2002, ao disciplinar o condomínio edilício, mencionou apenas os condomínios em edifícios (art. 1.331), muitos juristas têm dificuldade em identificar nele a natureza jurídica dos loteamentos fechados. Aliás, não há na comunidade jurídica nem mesmo consenso se o Código teria derrogado a Lei 4.591/64. Some-se a isso a existência de “loteamentos fechados” que são, na verdade, loteamentos abertos ilegitimamente fechados, e o resultado é uma quase anarquia jurídica.

Pois bem. Conquanto o loteamento fechado tenha a natureza de um condomínio edilício, o art. da Lei 4.591/64 e os arts. 1.332 e 1.333 do Código Civil exigem, para que o condomínio se considere formal e regularmente criado, que os condôminos elaborem uma convenção de condomínio e a levem a registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Em razão de a doutrina ter demorado a compreender o instituto do loteamento fechado, por um lado, e, por outro, de a criação de loteamentos fechados ter se disseminado com grande rapidez no país, uma parcela considerável de proprietários em loteamentos, com dúvidas sobre a natureza de condomínio, optou por criarassociações (antes do Código de 2002, sociedades civis) com a finalidade de ofertar a seus associados os serviços típicos de um condomínio. A criação de associações também é extremamente comum nos casos de loteamentos abertos ilegitimamente fechados, mas dessa matéria não cuidaremos neste trabalho.

Não havendo constituição regular do condomínio, parte da jurisprudência dá ao loteamento tratamento de condomínio irregular ou de fato – porquanto o instituto tem a natureza jurídica de condomínio, inegavelmente –, e parte lhe nega existência jurídica, reconhecendo apenas a associação, quando esta existe. Os julgados a seguir ilustram essa situação:

“LOTEAMENTO FECHADO - CONDOMÍNIO DE FATO - DESPESAS COMUNS. O loteamento fechado pode ser considerado condomínio de fato, pelo que o proprietário que se beneficia dos serviços e melhoramentos nele realizados deve pagar a parte que lhe tocou no rateio, pena de locupletamento às custas dos demais moradores.”

(TJMG. Apelação Cível nº 1.0024.01.028753-0/001, rel. Do acórdão Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes, 18ª Câmara Cível, data do julgamento: 12/12/2006, data da publicação: 30/01/2007)

“LOTEAMENTO. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. COBRANÇA DE TAXA CONDOMINIAL. PRECEDENTES DA CORTE. 1. Nada impede que os moradores de determinado loteamento constituam condomínio, mas deve ser obedecido o que dispõe o art. da Lei nº 4.591/64. No caso, isso não ocorreu, sendo a autora sociedade civil e os estatutos sociais obrigando apenas aqueles que o subscreverem ou forem posteriormente admitidos. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ. REsp 623.274/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, data do julgamento: 07/05/2007, data da publicação: 18/06/2007)

Vê-se que no julgado do TJMG considerou-se a existência fática do condomínio, enquanto no julgado do STJ reconheceu-se a existência apenas da sociedade civil (associação).

O reconhecimento da existência de condomínio de fato, deve-se salientar, produz o efeito jurídico de legitimar a cobrança da contribuição no rateio das despesas do loteamento:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS. OBRIGAÇÃO PROPTER REM. CONDOMÍNIO DE FATO. LOTEAMENTO FECHADO. IMÓVEL SITUADO NA ÁREA DO CONDOMÍNIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO. RÉU QUE ALEGA QUE AS COBRANÇAS SÃO DESCABIDAS. SE O PROPRIETÁRIO DO BEM É BENEFICIADO POR SERVIÇOS DE LIMPEZA, SEGURANÇA E CONSERVAÇÃO DO CONDOMÍNIO POSSUI O DEVER LEGAL DE CONTRIBUIR COM O RATEIO DAS DESPESAS. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. APLICAÇÃO DO VERBETE SUMULAR Nº 79 DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. DESPROVIMENTO DO RECURSO.” (TJRJ. Apelação Cível nº 0005019-95.2008.8.19.0003, rel. Des. Antônio Saldanha Palheiro, 5ª Câmara Cível, data do julgamento: 09/02/2010)

“DIREITO CIVIL. LOTEAMENTO IRREGULAR. CONDOMÍNIO DE FATO. COTAS CONDOMINIAIS. RESPONSABILIDADE DE TODOS OS PROPRIETÁRIOS. SENTENÇA REFORMADA. 1. O fato de se tratar de condomínio irregular não exime o condômino do pagamento das cotas condominiais. 2. As atas das assembléias que fixaram os valores das cotas condominiais são provas suficientes para fundamentar a condenação do condômino. 3. Sem custas. Sem honorários, tendo em vista o disposto no art. 55 da Lei 9.099/95, que prevê o ônus da sucumbência apenas quando o recorrente é vencido. 4. Recurso conhecido e provido.” (TJDFT. Apelação nº 20080810084110ACJ, rel. Juiz Edmar Ramiro Correia, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, data do julgamento: 26/01/2010, data da publicação: 22/03/2010)

Não se reconhecendo a existência jurídica do condomínio, por sua vez, o entendimento é no sentido de que não se pode cobrar a contribuição no rateio das despesas do loteamento de quem não for membro da associação criada para gerir a comunidade:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. LOTEAMENTO FECHADO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CONTRIBUIÇÃO. INEXIGIBILIDADE DE QUEM NÃO É ASSOCIADO. MATÉRIA PACÍFICA. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULAS N. 168 E 182-STJ. I. "As taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo" (2ª Seção, EREsp n. 444.931/SP, Rel. P/ acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJU de 01.02.2006). Incidência à espécie da Súmula n. 168/STJ. II. A assertiva de que os julgados apontados divergentes são anteriores à pacificação do tema pelo Colegiado, fundamento da decisão agravada, não foi objeto do recurso, atraindo o óbice da Súmula n. 182-STJ, aplicada por analogia.

III. Agravo improvido.” (STJ. AgRg nos EREsp 1034349/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, Segunda Seção, data do julgamento: 27/05/2009, data da publicação: 17/06/2009)

“APELAÇÃO CÍVEL. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. AÇÃO DE COBRANÇA. CONDOMÍNIO E LOTEAMENTO FECHADO. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. Os loteamentos fechados não contam com legislação que os ampare, constituindo-se em verdadeira fusão/confusão de duas instituições jurídicas: condomínios, regidos pela Lei nº 4.591/64, e loteamento para fins urbanos, que é espécie de parcelamento do solo, regido pela Lei Federal nº 6.766/79, onde não cabem interpretações analógicas. O loteamento, já estabelecido quando da criação da associação, não pode ter os titulares dos lotes constrangidos ao pagamento da taxas decorrentes da associação não aderida. É defeso à associação de moradores obrigar que residentes e, ou, proprietários, de imóveis do loteamento a ela se filiem ou permaneçam associados e, conseqüentemente, com ela contribuam. Constitui princípio constitucional a liberdade de associação, que deve ser oriunda de manifestação de vontade do associado (art. , inciso XX, da Constituição Federal). Apelo parcialmente provido.” (TJRS. Apelação Cível nº 70014881767, rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, 18ª Câmara Cível, data do julgamento: 29/04/2008)

Como visto, conquanto o loteamento fechado (legítimo) tenha natureza de condomínio edilício, pode ser que este não seja formal e regularmente constituído. Por essa razão, o loteamento pode estar sujeito a três situações distintas: (1) se o condomínio for regularmente constituído, o loteamento será normatizado por meio da convenção de condomínio e do regulamento interno (art. da Lei 4.591/64; arts. 1.332 e 1.333 do Código Civil), e obrigará todos os condôminos; (2) se não constituído de direito o condomínio, mas criada associação, o loteamento será normatizado por meio do estatuto (art. 54 do Código Civil), o qual somente obrigará osassociados-proprietários; (3) se não formalmente constituído o condomínio, nem criada associação, o loteamento não poderá impor a nenhum proprietário de lote qualquer tipo de norma própria.

Verifica-se nos loteamentos que são administrados por associações a elaboração de uma convenção (travestida de estatuto) e de um regimento interno. Ou seja, conquanto a constituição do condomínio, com o registro da convenção no Cartório de Registro de Imóveis, não se concretize, são impostas (ou há tentativa de se impor) restrições ao direito de propriedade por via transversa, isto é, por meio do estatuto da associação.

A esse “Direito estatutário” se aplica tudo o que ficou dito anteriormente, devendo-se, no entanto, fazer uma observação de alta relevância: as normas editadas por associações aplicam-se tão somente a quem for a elas associado.

Ocorre que, no caso dos loteamentos fechados, devem-se considerar dois pontos: (1) as áreas comuns não podem, de forma alguma, ser tratadas como patrimônio da associação vez que se trata de copropriedade dos donos dos lotes, ainda que o condomínio não se encontre regularmente constituído; (2) os proprietários dos lotes não podem ser forçados a se associar, em razão do princípio constitucional da livre associação (art. , inc. XX da CF), razão pela qual não podem ser obrigados a observar as normas editadas pela associação, se optarem por não fazer parte dela, caso em que, quando muito, serão compelidos a contribuir no rateio das despesas efetuadas para manutenção das áreas comuns, com base no princípio geral que veda o enriquecimento indevido (ilícito).

Fonte: Âmbito Jurídico

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Boa Noite !
Gostaria de uma informacao

tenho uma casa em condomínio fechado uma assosiacao

estava pagando a associaccao

e decidi para te pagar

eles falaram que nao tem como

so entrando numa ação judicial

como posso proceder continuar lendo

As associações podem cobrar dos proprietários de lotes, taxa sobre a construção de suas residências, nos loteamentos? E podem determinar limites, normas sobre as construções? (Além das normas das prefeituras locais, que já tem especificações e normas próprias, bem como taxas de aprovação de projeto e execução) continuar lendo