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24 de Abril de 2024

A impenhorabilidade do bem de família em situações de dívida societária

No caso, o empresário era garantidor de uma operação de sua empresa junto ao banco. Como não pagou, foi executado e ofereceu sua própria casa para ser penhorada. A casa então foi penhorada, avaliada e enviada a leilão

Publicado por Bernardo César Coura
há 9 anos

É inválida a renúncia ao bem de família pelo devedor em casos diversos daqueles expressamente admitidos pela Lei 8.009/1990. Com esse argumento, a 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria, impediu a penhora da propriedade de um empresário que ofereceu a própria casa para ser penhorada.

No caso, o empresário era garantidor de uma operação de sua empresa junto ao banco. Como não pagou, foi executado e ofereceu sua própria casa para ser penhorada. A casa então foi penhorada, avaliada e enviada a leilão.

Diante da situação, o empresário entrou na Justiça para não ter seu único imóvel expropriado, que serve de residência dele e de sua família, pedindo para que fosse reconhecido o bem de família e se tornasse impenhorável a casa.

Na ação, o advogado destacou que a jurisprudência consagra o instituto do bem de família, “protegendo-o de quaisquer constrições indevidas, privilegiando a entidade familiar e a dignidade humana acima de qualquer direito creditório porventura existente”.

O empresário explica que, passando por dificuldades financeiras, a sociedade da qual fazia parte foi obrigada a renegociar dívidas com instituições financeiras e fornecedores. Ao negociar com o Banco Alvorada, sofreu a imposição de que prestasse garantia por meio de seus sócios, sendo exigido do empresário que oferecesse o bem imóvel à penhora. “Foi exigido que renunciasse a qualquer questionamento acerca do bem de família, em clara e frontal violação às garantias constitucionais que permeiam a dignidade da pessoa humana”, observa o advogado.

A defesa do empresário citou ainda que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a impenhorabilidade do bem de família constitui direito irrenunciável, por se tratar de norma de ordem pública, prevalecendo inclusive em casos nos quais porventura o devedor tenha oferecido o bem à penhora.

A tese do advogado Gabriel Villarreal foi acolhida em primeira instância. O juiz Ademir Modesto de Souza, da 8ª Vara Cível de São Paulo, considerou que, “inexistindo prova de que a dívida contraída por sociedade beneficiou a família dos sócios, tem-se como inválida da penhora, não implicando o oferecimento do imóvel em garantia como renúncia à proteção legal conferida ao bem de família”, e citou jurisprudência do STJ no mesmo sentido.

O Banco Alvorada recorreu da decisão e, em decisão monocrática da desembargadora Ligia Araújo Bisogni, da 14ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, deu razão à instituição financeira. Em sua decisão, a desembargadora afirmou que, “tendo o devedor deliberado assegurar o cumprimento da obrigação assumida na confissão de dívida, oferecendo à penhora o questionado imóvel, não pode, agora, pretender, contra a sua vontade livremente manifestada, a impenhorabilidade do bem, beneficiando-se da própria torpeza e em detrimento do princípio da boa-fé objetiva”.

A desembargadora afirma ainda que, “além de não ter comprovado que o bem dado em garantia constitui, de fato, seu único bem, estando assim protegido pela citada lei, o agravado era sócio da empresa executada e, portanto, inegável que o proveito obtido pela pessoa jurídica reverteu em prol dele mesmo e de sua família”.

O empresário interpôs Agravo Regimental, que foi analisado pela Turma e conseguiu, mais uma vez, reverter a decisão. Para a maioria da Turma, a jurisprudência tem entendido que é inválida a renúncia ao bem de família pelo devedor, em casos diversos daqueles expressamente admitidos pela Lei 8.009/1990. “O STJ tem garantido aplicação ampla da impenhorabilidade do bem de família. Sua 4ª Turma, em decisão recente, esclareceu que, ainda que o bem fosse indicado a penhora pelo próprio devedor, situação equivalente ao caso em questão, isso não implicaria renúncia ao beneficio da impenhorabilidade, porquanto a instituição do bem de família constitui princípio de ordem pública, que prevalece sobre a vontade manifestada”, explicou a Turma, citando o julgamento pela 4ª Turma do STJ do Recurso Especial 875.687, sob relatoria do ministro Luís Felipe Salomão.

Segundo o acórdão, “afora essas hipóteses, a renúncia ao bem de família não deve ser permitida, sob pena de autorizar ao credor, valendo-se de sua condição e para compelir o devedor ao pagamento, o exercício de seu direito contra princípios basilares do ordenamento jurídico. Seria permitir, por vias transversas, a execução de forma mais onerosa ao devedor; seria conceder a qualquer pessoa o direito de burlar princípios de ordem pública”.

O artigo da Lei 8.009/1990 diz que o bem de família é impenhorável em qualquer processo, exceto em sete ocasiões: em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; pelo credor de pensão alimentícia; para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; e por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Com isso, a Turma entendeu que a decisão de primeira instância deve prevalecer, cancelando a penhora da casa. A desembargadora relatora Lígia Araújo Bisogni manteve seu voto e foi vencida. Os demais desembargadores seguiram o voto do desembargador Melo Colombi.

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Fonte: Conjur

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9 Comentários

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O que me deixa perplexo nestes casos é o tamanho descuido, desleixo e desatenção por parte dos agentes financeiros em imaginar que podem impor a sua vontade (exigir do garantidor a renúncia ao bem de família), sobre uma norma de ordem pública (Lei 8.009/90) que dispõe a vedação dessa prática, sendo permitido apenas a penhora nas hipóteses presentes no art. 3º desta lei (rol taxativo), sob pena de nulidade. É lamentável! continuar lendo

Certo, mas na prática, o executado que deve mais de 500.000 à fazenda pública, é pq, no minimo, tem um capital enorme pra divida chegar a esse montante em pouco tempo. Já o pequeno empresario, as dividas nao ultrapassam de 3.000,00. e geralmente esses pagam suas dividas ao perceberem que por desinformação, sua pessoa fisica foi incluida no polo passivo, por ser sócio ou etc. (a maioria acha que não aconteceria nada com sua propriedade individual). Pra esses 30% de bloqueio não é interessante pois já não possuem muito para viver, e geralmente parcelam a divida, e a fazenda pede o sobrestamento. Mas o que deve muito, já saiu no lucro, basta transferir sua renda a um "laranja", os bens em nome de terceiros, como sempre fazem por serem orientados por seus advogados. Nem o sistema Info-jud, BacenJud, consegue achar bens ou valores a serem bloqueados em nenhuma instituição financeira. continuar lendo

Caro Darlan,

No que concerne as práticas fraudulentas cometidas por muitos picaretas, salafrários e mandriões isso é uma infeliz realidade. No entanto, o nosso ordenamento legal institui mecanismos para invalidar esta espécie de transação: são elas a fraude contra credores e a fraude à execução.

Um caso muito comentado atualmente é o do Eike, muitos dos bens que ele transferiu (doação) para os parentes foram invalidados e consequentemente foram penhorados para satisfazer o direito dos credores. continuar lendo

O que me intriga, nesse caso, é o seguinte:

Se o Banco, ao invés de celebrar um contrato de financiamento, tivesse celebrado um contrato de mútuo feneratício (ou seja, um Empréstimo) e exigisse o imóvel único do devedor como garantia real em Hipoteca (com assinatura do devedor e cônjuge), então esse imóvel poderia ser penhorado tranquilamente, pois essa é uma das hipóteses excepcionais que autorizam a penhora do bem de família, conforme estabelece o art. , inciso V, da Lei nº 8.009/90.

Se o Banco promovesse essa manobra (completamente lícita por sinal) teria conseguido penhorar o imóvel do devedor tranquilamente.

E mais curioso ainda: Na hipótese do inciso V do art. 3º da Lei 8009/90, o STF considera essa renúncia ao bem de família como lícita. continuar lendo

Caro Noberto,

Inicialmente, gostaria de agradecer-lhe pelo elogio.

Atinente ao seu comentário, o Dr. aduziu uma situação bem fascinante. Eu particularmente nunca havia me atentado para este inciso específico de mister relevância. Vejamos agora o meu humilde pensamento sobre esta suposição fática:

Gostaria de iniciar o meu comentário, expondo a minha indignação e descontentamento por haver essa previsão de exceção a impenhorabilidade, haja vista que o intuito do art. da Lei 8.009/90 é limitar e restringir os casos de cabimento da perda do bem de família.

Todavia, o art. 3º, V da lei do bem de família, autoriza que qualquer negócio jurídico civil (empréstimos, financiamentos...) em que se estabeleça essa garantia real de hipoteca é válida sobre o bem de família, como o Dr. bem observou, no caso do imóvel pertencer a um casal, ambos devem autorizar esse ônus real, sob pena de nulidade da cláusula contratual.

Por fim, é lamentável e triste a existência dessa previsão por ferir a finalidade e intenção da lei, que é resguardar a morada e o lar da família.

Obs.: O STF deveria fazer o que faz muitas vezes em seus posicionamentos, ignorar o que está expresso nas leis (que muitas vezes demonstram serem conflitantes e confusas) e aplicar a lógica, ou seja, o que de fato se espera daquela norma. Que os constitucionalistas não leiam esse comentário! Kkkkk.... continuar lendo

O CPC, LEF, estão defasados. Há o entendimento de que apenas 30% pode ser bloqueado da conta salário, e nada poderá ser da conta poupança, mas acho justamente o contrario: Se tem dinheiro na poupança, é pq está sobrando. E se esta sobrando é pq PODE E DEVE pagar os tributos e os impostos devidos à população. continuar lendo

opinião infeliz... cada caso é um caso. Para isso existe a justiça. continuar lendo

A realidade é outra, a Lei é pra ser cumprida.; Dever tributo à fazenda pública, tendo dinheiro na Poupança, é um absurdo. A completa má fé. Estou cansado de ver devedores com capital pra pagar, e se apoiarem nessa brecha da lei pra nao pagar os impostos. Falo de dividas de empresarios, que somam de 100.000 à 15.000.000

A orientação é despachar deterrminado bloqueio de 30% sobre a conta salário, até aí tudo, mas a conta poupança atualmente é impenhoravel. Poupança é dinheiro que esta sobrando. E Pronto.
O artigo 649 do CPC claramente beneficia oRICO INADIMPLENTE, pq o pobre nem dinheiro na conta corrente possui direito pra sustentar sua família. O que esta mais do que certo a orientação dos desembargadores no sentido de bloquear até 30% dessa conta, nos embargos à execução.

Darlan
Escrevente Tecnico Judiciario
Execução Fiscal - Tribunal de Justiça de São Paulo continuar lendo

Caro Darlan,

Concordo em parte com a sua nobre explanação no que tange ao peso da idade dessas duas normas legais (CPC e LEF), sendo estas, merecedoras de algumas reformas.

Entretanto, houve um equívoco no seu raciocínio no que concerne a impenhorabilidade de valores creditados em cadernetas de poupanças, visto que por disposição legal essa proteção legal se dar até 40 (quarenta) salários mínimos, com supedâneo no art. 649, X do CPC.

Destarte, neste ponto, depreendo que o legislador foi correto ao instituir esse mecanismo de defesa, pois o intuito dessa tutela é para o pequeno devedor, que necessita do mínimo para a sua sobrevivência (P. da Dignidade da Pessoa Humana) continuar lendo